quinta-feira, 28 de abril de 2011

A CONQUISTA DE SILVES POR D. SANCHO I, EM 1189

PREÂMBULO

O segundo Rei de Portugal, D. Sancho I - filho do matrimónio de D. Afonso Henriques com D. Mafalda e neto, por parte da mãe, de Amadeu III, Conde de Mauriana e Sabóia - nasceu em Coimbra, no dia 11 de Novembro de 1154


Foi aclamado Rei de Portugal três dias depois da morte de seu pai, aos 31 anos de idade, já sendo casado, fazia dez anos, com D. Dulce, filha de D. Ramon Berenguer XV, Conde de Barcelona e Príncipe de Aragão.

O reinado deste monarca foi dedicado principalmente ao povoamento e à administração das terras conquistadas por seu pai; já Oliveira Martins afirma na sua História de Portugal: (...) consolidam-se as conquistas, povoam-se e fortificam-se as vilas, começa a esboçar-se a administração, (...) Há um pensamento na política e uma ideia nas campanhas. Sancho I, é já um rei (...)
Castelo de Silves na actualidade
 Colecção particular
Efectivamente, D. Sancho I, "O Povoador", tinha como objectivo a total conquista do distrito de Chenchir ou Al-Faghar, assim denominavam os árabes o Algarve, mas ao tomar Silves nunca poderia considerar aquele território como pertença da coroa, uma vez que Faro continuava na posse dos muçulmanos.

Em 1191, Silves caiu novamente na posse dos muçulmanos. Estava vingada a tomada dessa cidade, pelos portugueses, em 1189; a vingança foi de tal modo violenta que chegou até às muralhas de Tomar... tendo Portugal recuado as suas fronteiras até aos antigos limites do Tejo.

Neste sentido, o monarca português enfraquecido militarmente e totalmente frustrado pelo auxilio dos Cruzados, que apenas tinham como objectivo o saque, passou a dedicar-se à povoação e administração dos seus territórios, numa importante obra de organização e consolidação nacional.

Teve este Rei, onze filhos legítimos que a título de curiosidade se indicam:
D. Sancho I
Colecção particular
D. Constança, D. Henrique e D. Raimundo que morreram crianças; D. Teresa que casou com D. Afonso IX, Rei de Leão, que depois de anulado o matrimónio pelo Papa, retirou-se para o convento de Lorvão; Infante D. Afonso, que sucedeu seu pai no reino; Infante D. Pedro que passou para o reino de Marrocos, casou com a Condessa de Urgel; Infante D. Fernando, que foi Conde de Flandres, por sua mulher, Condessa D. Joana, filha de Balduino, Imperador de Constantinopla; Infanta D. Mafalda, que casou com Henrique, rei de Castela; Infanta D. Branca, Senhora de Guadalaxara e a Infanta D. Berenguela, que foi mulher de Valdemaro II, rei da Dinamarca, cognominado o Vitorioso, que ao acompanhar o seu marido numa batalha morreu vitima de uma seta.

Quando ainda era solteiro teve, de Maria Paes Ribeira os seguintes filhos: Martim Sanches, Conde de Trastamara; D. Urraca Sanches que casou com Lourenço Soares; D. Teresa Sanches, mulher de D. Afonso Tello, dos quais descende a casa de Marialva; Gil Sanches que seguiu a vida eclesiástica; Constança Sanches, fundadora do Convento de S. Francisco de Coimbra e Rui Sanches, que morreu em combate junto ao Porto.

Depois da morte da Rainha D. Dulce, teve o soberano mais dois filhos de D. Maria Annes de Fornellos, a saber: D. Martinho de Portugal e D. Urraca de Portugal.



D. Dulce.
Colecção particular
Faleceu D. Sancho em Coimbra no dia 26 de Março de 1211, com 57 anos de idade e 26 de reinado. Encontra-se sepultado com a sua mulher, que faleceu no dia 1 de Setembro de 1198, no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra.

O presente trabalho não é dedicado ao reinado de D. Sancho I, mas sim a um episódio do seu governo que foi a tomada de Silves aos muçulmanos em 1189. Este acontecimento, embora narrado praticamente em todas as histórias de Portugal, é extremamente interessante por se tratar de um ataque a uma cidade que, nessa época, era mais importante do que Lisboa. A sua população, segundo alguns historiadores, rondava entre vinte a trinta mil habitantes; possuía óptimos edifícios, estabelecimentos, celeiros e mesquitas, tudo muito bem protegido por altos muros e grandes torres. A alcaçóva (castelo) ficava no alto de um monte, muito bem defendida.

O ataque foi executado por um exército combinado: o português comandado pelo próprio Rei e outro constituído por um grupo de Cruzados, de diversas nações, que iam a caminho da Terra Santa. O cerco foi efectuado por mar e terra, tendo os navios subido o rio Arade até Silves; procedendo-se então à "arte" da poliorcética com diversas investidas, por meio de máquinas de arremesso, torres e escadas de assalto, por intermédio de minas, etc.

Aqui iremos analisar os trajes, armamento, equipamento, etc., dos dois lados em contenda, não só pela curiosidade que este objecto poderá suscitar, mas também porque a bibliografia sobre este assunto é extremamente escassa e rara. Não me refiro ao facto histórico em si (tomada de Silves) em virtude de quase todos os historiadores e terem descrito, com mais ou menos pormenor, nos seus compêndios e livros devido a ter sido um facto importante no reinado de D. Sancho I; refiro-me antes à grande diversidade de armamento, defensivo e ofensivo, utilizado pelos contentores, na medida em que as influências eram enormes, não podendo esquecer que além dos portugueses, os cruzados que nos ajudaram eram oriundos das mais diversas nações: flamengos, normandos, alemães, escoceses, dinamarqueses e muitos ingleses, entre outros. Não restam dúvidas que a maior influência que sofremos foi dos normandos; ao analisarmos a indumentaria utilizada pelos nossos e pelos outros, praticamente não existia diferença.

O nosso armamento e equipamento era o que se utilizava por toda a Europa, embora de início (Conde D. Henrique e D. Afonso Henriques) tenha predominado a influência borgonhesa, pela origem do avô de D. Sancho I, e outras devido à quantidade e variedade das proveniências dos cruzados que demandavam a nossa costa a caminho da Terra Santa e que nos tinham sempre auxiliado nas conquistas. De todos os lados nos chegavam: Flandres, Colónia, Bretanha, Bolonha, Escócia, Dinamarca, Noruega, etc.


D. Sancho I
Aguarela do mestre Carlos Alberto Santos
Por especial autorização
Colecção particular
Como facilmente se poderá deduzir todas essas influências acabavam por deixar um pouco de si e isto sem ter em linha de conta a fortíssima influência árabe que a nossa milícia sofreu ao longo dos tempos, quer em termos organizativos, quer no armamento ofensivo e defensivo.

Foi intenção apenas divulgar os armamentos mais significativos que foram utilizados pelos nossos, pelos cruzados e pelos muçulmanos durante o cerco e a tomada de Silves.

Das principais fontes consultadas sobre a tomada de Silves destaco: Relação da Derrota Naval, e Façanhas dos Cruzados que Partirão do Escalda para a Terra Santa no Anno de 1189, escrito em latim por um dos mesmos Cruzados, traduzida e anotada por João Baptista da Silva Lopes, impresso na Tipografia da Academia Real das Ciências em 1844 , que no fundo é a base de trabalho de praticamente todos os nossos historiadores; Monarchia Lusitana, IV parte, impresso em 1632; Histórias de Portugal de: Alexandre Herculano; Oliveira Martins; Damião Peres; Pinheiro Chagas; Elucidário de Frei Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, etc., etc.

Foram consultados igualmente: História do Exército Português de Ferreira Martins e a de Cristovão de Ayres; As Campanhas de Ya "Qub Al-Mansur" en 1190 Y 1191, por Huici Miranda; Táctica e Armas de Guerra in: Bibliotheca do Povo; Glossário Armeiro de Luís Stibbs Bandeira; Encyclopédie Diderot et D'Alembert; Diccionario Militar de Jaime Frederico Cordeiro; Le Moyen Age de Armand Dayot; The History of Chivalry and Armour de F. Kottenkamp; European Armour por Claud Blair; Encyclopédie Médiévale de Violet le Duc; Guide des Amateurs D'Armes et Armures Anciennes de Auguste Demmin e muitos outros.

                                                                                   O Autor
                                                                                      marr 

domingo, 17 de abril de 2011

EXÉRCITO AUXILIAR A ESPANHA 1793 A 1795 (Rossilhão e Catalunha)

DISTINTIVOS HONORÍFICOS

DECRETO CONCEDENDO AOS OFICIAIS E SOLDADOS ARTILHEIROS
DO
EXÉRCITO AUXILIAR A ESPANHA
 UM DISTINTIVO HONORÍFICO

DECRETO DE 17 DE DEZEMBRO DE 1795




"Para mostrar a Minha Real satisfação ao benemérito Corpo da Minha Brigada de Artilharia, que passou à Espanha. Sou servida Ordenar, que os Oficias do mesmoCorpo passam a usar para o futuro de uma peça de  artilharia bordada de prata sobre o braço direito, em sinal de distinção, e do mesmo modo os Cadetes do dito Corpo; os Oficiais Inferiores a trarão bordadas de seda, e os Soldados de lã branca. O Conselho de Guerra o tenha assim entendido, e fará expedir ao dito respeito as Ordens necessárias. Palácio de Queluz a dezassete de Dezembro de mil e setecentos noventa e cinco.
Com a Rubrica do PRÍNCIPE N. SENHOR"


Decreto da época. Colecção particular
 

DECRETO CONCEDENDO AOS OFICIAIS E SOLDADOS DE OUTRA ARMA

DO
MESMO EXÉRCITO UM DIVERSO DISTINTIVO HONORÍFICO

DECRETO DE 17 DE DEZEMBRO DE 1795

Colecção particular

Colecção particular

"Querendo dar a todos os Oficiais Generais, Coronéis, e mais Oficiais, Oficiais Inferiores, Cadetes, e Soldados do Meu Exército Auxiliar, que passou à Espanha, uma prova autentica da Minha Real Satisfação, pela distinção, e valor, com que procederam. Sou servida Ordenar, que todos os Oficiais Generais, que passaram a sobredita expedição, tragam bordado sobre o braço direito uma Granada de ouro, e os mais Oficiais, e Cadetes, uma de prata, em sinal de distinção: E outro sim Sou servida Ordenar, que os Oficiais Inferiores usem da mesma Insígnia bordada de seda branca e os Soldados de lã da mesma cor; exceptuando desta regra a Minha Brigada de Artilharia, à qual tenho mandado usar de outro distintivo. O Conselho de Guerra o tenha assim entendido, e o faça executar. Palácio de Queluz a dezassete de Dezembro de mil setecentos e noventa e cinco.
Com a Rubrica do PRÍNCIPE N. SENHOR"


Decreto da época. Colecção particular
 


BANDEIRAS
Como é do conhecimento geral um dos grandes problemas, no que diz respeito às bandeiras do nosso Exército, é o facto de não existir documentação sobre esse assunto em virtude do desaparecimento do Arquivo da extinta Junta dos Três Estados, que um incêndio consumiu quase na totalidade no terceiro decénio do século XIX e do aniquilamento quase completo do Arquivo da Tenência pelo Terramoto de 1755, privando-nos para sempre de informações preciosas que nos poderiam aclarar este assunto e tirar as muitas dívidas que surgem.


Colecção particular

No século XVIII sempre que se vê uma unidade de infantaria em formatura, as bandeiras que se podem observar, são esquarteladas de dezasseis quartéis, não se sabendo quais as suas cores; em nenhuma delas se vê o escudo de Armas Reais ou qualquer outro emblema; contudo Ernesto Sales na sua obra "Bandeiras e Estandartes"(1) esclarece-nos que em 1764 o Regulamento de Cavalaria indica que "todos os estandartes e timbales teriam as Armas Reais", assim como o "Regimento de Infantaria de Lippe, tinha uma bandeira cor-de-rosa com as Armas Reais ao centro e a Cifra Real nos ângulos".

Tudo faz supor que a grande maioria das bandeiras seriam verdes e brancas, que eram as cores da Casa Real,, tendo sido depois substituídas pelo azul-escuro e escarlate; também era hábito as bandeiras ostentarem as cores do libré do seu comandante, e apesar de se ter determinado a mudança das cores da Casa Real, não consta que fossem consideradas "cores nacionais" senão a partir do Decreto de 7 de Janeiro de 1796, em que foi ordenado que "os criados e oficiais da Casa Real, oficiais do Exército e soldados usem de laço azul-escuro (ferrete) e escarlate".

Uma vez mais Ernesto Sales nos indica que em 1792 entregaram-se bandeiras de "seda de nobreza" para o Regimento de Freire, e outras tantas para o regimento de Lippe e Setúbal, acrescentando em nota que :" do livro n.º 115 do Arquivo do Arsenal do Exército, a folhas 74, consta esta informação: O Almoxarife do Arsenal do Exército José Joaquim da Costa, entregou a Manuel José Gomes, mestre bordador do referido Arsenal, os géneros seguintes: 23 côvados de nobreza carmesim; 19 côvados de nobreza branca; 7 côvados de nobreza azul-ferrete; 7 côvados da mesma nobreza cor-de-rosa; 6 côvados de nobreza cor de ouro; 6 côvados de carmesim e meia resma de papel almaço grande. Tudo para feitura de dois jogos de bandeiras de infantaria, a qual entrega se fará com a arrecadação necessária. Lisboa 25 de Janeiro de 1792. Moniz"

Quanto aos desenhos e bordados que as bandeiras teriam, continuam envoltos em grande mistério e até 1806 nada ou muito pouco se sabe sobre as bandeiras militares, conhecendo-se apenas algumas cores que as compunham... uma ou outra gravura em livros da época, como  na "Milícia Prática"(2) ou em painéis de azulejos (3).

Notas:
(1) - Ernesto Augusto Pereira de Sales, Bandeiras e Estandartes Regimentais do Exército e da Armada
        e outras Bandeiras Militares (apontamentos), Lisboa 1930 p. 22 e 24.
(2) - Bento Gomes Coelho, Milícia Prática e Manejo da Infantaria, Lisboa 1740, Tomo II, fig. 2 e seg..
(3) - Painéis de azulejos existentes na sala do Palácio dos Condes da Calheta no "Pátio das Vacas" em
        Lisboa.




DISTINÇÃO HONORÍFICA ÀS BANDEIRAS
DOS
REGIMENTOS QUE FORAM AUXILIAR A ESPANHA

DECRETO DE 17 DE DEZEMBRO DE 1795
"Querendo Eu dar aso seis regimentos de infantaria do Meu Exército Auxiliar, que passaram à Espanha, provas manifestas da Minha Real satisfação, pelo valor com que serviram em toda a Guerra, e com que sustentaram a Glória do Nome Português: Sou servida Ordenar, que nas Bandeiras dos mesmos Regimentos se descreva para o futuro a letra seguinte: Ao Valor do I. Regimento do Porto; Ao Valor do II. Regimento do Porto; Ao Valor do I. Regimento de Olivença; Ao Valor do Regimento de Peniche; Ao Valor do Regimento de Freire; Ao Valor do Regimento de Cascais. E Ordeno, que entregando-se aos ditos regimentos Novas Bandeiras, com a referida letra, se publique na sua frente o presente Decreto. O Conselho de Guerra o tenha assim entendido, e o faça executar. Palácio de Queluz em dezassete de Dezembro de mil e setecentos noventa e cinco
Com a Rubrica do PRÍNCIPE REGENTE N.SENHOR"


Decreto da época. Colecção particular

Texto e ilustrações:marr



sábado, 16 de abril de 2011

EXÉRCITO AUXILIAR A ESPANHA 1793 A 1795 (Rossilhão e Catalunha))

MEMÓRIA
DE
 ANTÓNIO DE LEMOS PEREIRA DE LACERDA
CAPITÃO AGREGADO
 DO
REGIMENTO DE INFANTARIA DE PENICHE

EXCERTOS DA CAMPANHA DE 1793(1)

"(...) O General D. Francisco de Noronha, havendo-me feito a honra de nomear-me interinamente para seu Ajudante de Ordens (cujo encargo aceitei com a condição de que em todos os rebates me deixaria acompanhar as minhas Bandeiras) me deu logo comissão de visitar mais particularmente, todos os postos e baterias da dependência da Vila de Ceret (...) esta diligência continha alguma delicadeza, pois que me era preciso extrair artificialmente aos comandantes das baterias o sigilo das suas misérias, o que contudo consegui com modo e manha, como o General me determinara (...)

(...) Principiei por examinar em particular o local de todos os postos; a sua fortaleza e fraqueza natural; os ataques e defesas que possuíam; os caminhos para a retirada; para combinar no fim em geral as vantagens de uns postos a respeito de outros (...) notei depois o número de calibre das diferentes bocas-de-fogo; e carência de munições, sendo estas tão escassas, que encontrei numa bateria principal apenas oito lanternetas de metralha (...)


Colecção particular

(...) O General Mendinueta dividiu as tropas do seu comando em três diferentes Brigadas, uma guarnecia os postos avançados; outra ficava de noite de retém na ponte de Ceret; outra descansava das fadigas de tanto trabalho e de duas noites perdidas. Entretanto a epidemia grassava no Exército em resultado do contínuo cansaço, da má qualidade dos víveres, da falta de policia e da imundície do próprio soldado. Assim mais se enfraqueciam os meios de resistência e mais desesperavam as coisas. Nesse tempo os espanhóis conservavam nos hospitais perto de doze mil homens; nestas fúnebres habitações entravam todos os dias centenas de doentes e todos os dias morriam centenas de soldados. Estas gentes respeitáveis, que honradamente consagraram as suas vidas à pública defesa, e à segurança do Trono e da Pátria, chegavam mesmos a acabar sem alimento e medicinas nos depósitos de enfermos, ou mais depressa em esqueletos; onde muitas vezes esperam cinco a seis dias que vagasse uma palhaça, num dos hospitais, para serem admitidos. Outros eram transportados a pé, ou em carros numa distância de oito a dez léguas para os hospitais do interior,e, expiravam pelas estradas, vitimas infelizes de um diligente governo. Outros, enfim, iam ser um espectáculo de horror pela falta de assistência, pela carência de remédios, pela ignorância dos físicos, pouca caridade dos enfermos, e ladroeira de muitos, que enriqueciam à custa de um objecto tão precioso, como a conservação do soldado (...)

(...) O hospital (português) de Altes era no seu interior o modelo mais próprio para a construção, e regímen dos melhores hospitais. Nada faltava para o bom medicamento, e trato dos nossos portugueses; e a vigilância mais humana presidia a todo o momento ao pobre enfermo. Este hospital, contudo, não podia conter mais de seiscentos homens, e o número dos doentes portugueses montava a mil e quarenta seis homens, ficando o excesso repartido pelo hospital de Ceret (...) a completa falta de víveres fazia-se temer, pois os do País estavam consumidos e o mau estado dos caminhos, com a aspereza do tempo, impedia as conduções da Catalunha. Chegámos a não ter bois para comer, não havia uma só galinha e apenas apareciam carneiros mirrados para os doentes. O General Noronha, diferentes vezes me fez representar estas faltas a Mendinueta, que ultimamente me respondeu com um - não há! (...)


Documento original Colecção particular
 (...) O exército francês encontrava-se igualmente enfraquecido pela deserção e pela epidemia, que só em Perpinhã levava à sepultura cerca de duzentos homens por dia; esta mortandade era produzida por vómitos de cóleras negras, que apenas permitiam algumas horas de vida; moléstia que talvez tivesse a principal origem no uso da água ardente com pólvora, que se fazia beber às tropas para as prepararem para o combate (...)

(...) O Barão de Kessel (a 4 de Dezembro) conseguiu mostrar-nos ao inimigo (da parte portuguesa eram os Regimentos: 1.º do Porto, Peniche e duas Companhias de Granadeiros de Freire) com forças superiores e colocá-los em inquietação, contudo ordenou a retirada, reduzindo-nos a acção deste dia a ouvirmos como assobiavam as grossas balas; desprezando a vantagem que se lhe oferecia (...) no dia seguinte intentamos a mesma manobra (do dia 4); porém a aspereza do tempo, com as chuvas que caíram, que já nos haviam trespassado numa noite fria, não permitiu que chegássemos a tempo de nos mostrar, como queríamos, sobre a madrugada do inimigo (...) o dia 7 foi então aprazado para o ataque verdadeiro, que devia ter lugar sobre a frente do nosso flanco direito. Os Regimentos 1.º do Porto, Peniche e três Batalhões espanhóis, foram ao falso ataque da esquerda. Esta tropa, na posição que tomou, a tiro em medida no flanco direito dos franceses, os conteve por ali em respeito, e sofreu constantemente a pé firme, e a peito descoberto, um vivo fogo de artilharia, que é certo, por mal dirigido, nenhum prejuízo nos causou, posto que continuasse sem interrupção desde que aclarou a alva até às dez horas; que foi quando nos retiramos, por se achar concluída a acção (...)


Colecção particular

(...) À direita atacaram, em companhia das tropas espanholas, os três Regimentos portugueses de Olivença, 2.º do Porto e Freire, que se lhes havia incorporado. A diligência e intrepidez presídio à marcha, e o valor que animava as tropas conseguiram a mais completa vitória. Com esta, depois de desbaratados os franceses, caíram em nosso poder o campo e as baterias inimigas; as Vilas de São Geniz, Longa e La Rocha; 22 canhões, 1 morteiro e 4 obuses; 1500 barracas com todos os despojos que continham; 3000 espingardas; 240 bois vivos e 40 mortos; muito vinho e aguardente, que concorreram para mais alegremente se cantar o triunfo; os provimentos em fim subsidiários para a manutenção e sustento de 12446 homens, de que se compunha o Corpo do Exército Francês por aquele lado, segundo os mapas que se encontraram na tenda do seu General (...)

Colecção particular

(...) Dos portugueses houve um soldado morto e dos espanhóis cinco, além de diversos feridos. Dos franceses morreram 200 no campo de batalha e se afirmou que se afogaram cerca de 400 no rio Tech, 550 prisioneiros e 4000 extraviados pelas íngremes montanhas de São Cristóvão, por onde, os que não desertavam para Espanha, se recolheram a Coliouvre (...) esta acção deve encher de muitas glórias as nossas tropas, que  principiaram o ataque em concorrência com duas Companhias de Guardas Valonas; e que deram motivo a que os franceses dissessem, que a chegada dos demónios dos portugueses os impediam de invernarem na Catalunha. Talvez fosse esta a principal circunstância que concorreu para se fomentar uma certa emulação e rancor ente os Aliados, e para que os espanhóis não apreciassem, quanto era justo o desinteresse dos nosso serviço, em benefício da causa alheia e de Monarca estranho (...)"


Decreto original de 20 de Janeiro de 1794
Pensão para viúvas e filhas solteiras de militares falecidos
em campanha
Colecção particular

(1): Faz parte da colecção do autor, deste blogue, uma cópia dactilografada do manuscrito, esta encontra-se em folhas bastante antigas e pelo tipo da máquina de escrever, supõem-se que este trabalho tenha sido executado sensivelmente entre 1930 e 1940.

Coorden. do texto e ilustrações: marr

sexta-feira, 15 de abril de 2011

EXÉRCITO AUXILIAR A ESPANHA 1793 A 1795 (Rossilhão e Catalunha)

UNIFORME PARTICULAR PARA OS OFICIAIS DO ESTADO-MAIOR
PERTENCENTES AO EXÉRCITO AUXILIAR A ESPANHA

Encontra-se no Arquivo Histórico Militar (1) um interessante manuscrito onde os oficiais do Estado-Maior solicitam um uniforme particular. Por se tratar de um documento extremamente importante para o estudo dos uniformes  portugueses e em virtude de nunca ter sido publicado decidi transcrevê-lo:
" S. M. Atendendo ao que se lhe apresentaram os oficiais do E. M. Do Corpo que passa a Espanha, foi servida conceder-lhe licença para poderem usar naquele Reino e no serviço de campanha de um uniforme azul com a gola encarnada, forro da mesma cor e veste branca com bordadura ou galão de ouro na mesma gola e canhões, o que participo a V. Exa. para que lhe seja constante e para que assim faça participar ao oficial General Comandante do referido Corpo..
Palácio em Queluz, 9 de Setembro de 1793.
Ass. Luís Pinto de Souza"

(1) - In: A.H.M., 1.ª Divisão, 10ª Secção, Caixa 1, n.º 20




ARMAMENTO E EQUIPAMENTO

OFICIAIS
CORONEL A TENENTE

ESPADAS


Colecção particular

Espadins de Vela e muito principalmente de Copos, que tanto podiam ter os enrolamentos dos punhos em fio de prata ou ouro, o copo e a guarda eram dourados, prateados ou em latão; lâmina de dois gumes, folha direita e estreita, vendo-se algumas com inscrições, tudo dependendo das posses do respectivo oficial, que muitas vezes as mandavam fabricar nos melhores armeiros nacionais e estrangeiros, vendo-se preferencialmente lâminas fabricadas em Toledo.



Colecção particular

Colecção particular
















BAINHA
De couro preto com ponteira e bocal dourado ou prateado

PISTOLAS
De diversos modelos e proveniências.
Colecção particular



Colecção particular















ALFERES

ESPONTÃO
Além do florete, alguns alferes utilizavam o espontão que era uma arma de haste de folha curta com dois gumes

Colecção particular

OFICIAIS INFERIORES

SARGENTOS

ALABARDA
Além do florete, utilizavam uma alabarda comprida e com um ferro bastante trabalhado

Colecção particular


OFICIAIS INFERIORES
(OUTROS)
 E PRAÇAS

FUZIL
De fechos de sílex, de carregamento pela boca e de diversos modelos fabricados no Arsenal do Exército e de vários calibres, além de outros modelos estrangeiros, que nos tinham sido fornecidos nomeadamente pela Grã-Bretanha, durante a Campanha de 1762

Colecção particular


Colecção particular


Colecção particular




BAIONETA
De lâmina de secção triangular com goteiras nas faces, terminando por uma ponta de estoque e formando, posteriormente, um cotovelo ligado a um tubo (alvado) que servia de punho e para ligar ao cano do fuzil, havendo nesse tubo um mecanismo de encaixe para permitir uma sólida e segura união.
Colecção particular


EQUIPAMENTO

OFICIAIS

GOLA DE SERVIÇO
Gola original
Colecção particular
Em forma de meia-lua de metal dourado com as Armas de Portugal em prata. utilizava-se suspensa ao pescoço preso por um cordão de fio de ouro ou prata, ou por fitas de seda geralmente brancas.









FIADOR PARA ESPADA
De liga de ouro ou prata, terminando numa borla com franjas de canutilhos

TALABARTE
De couro branco com pala para o espadim, fivela dourada ou de prata.

Colecção particular


OFICIAIS INFERIORES E PRAÇAS

PATRONA
De couro preto suspensa por uma correia de couro branco, colocada a tiracolo da esquerda para a direita
Colecção particular
TALABARTE
De anta tinginda de branco, de onde suspende a pala para a baioneta, coloca-se a tiracolo na posição oposta à correia da patrona

MOCHILA
De pele de cabra, de diversos tons, com três correias para fechar e duas para suspender aos ombros


Colecção particular

BORNAL
De tecido grosseiro ou serapilheira, com uma correia ou corda para colocar a tiracolo ou ao ombro.

CANTIL
Existiam de diversos modelos: de madeira, cabaças, frasco que poderia ser empalhado ou encapado de couro, e a borracha.

Texto e ilustrações: marr

quinta-feira, 14 de abril de 2011

EXÉRCITO AUXILIAR A ESPANHA 1793 A 1795 (Rossilhão e Catalunha)

RELATÓRIO
 DE 7 DE MARÇO DE 1794
 DO
MARECHAL-DE-CAMPO
 D. ANTÓNIO DE NORONHA (1)

" Em observância da ordem de V. Exa. declaro o seguinte:

Colecção particular
Em 19 de Novembro de 1793, marchei por ordem de V. Exa. para Figueiras, para V. Ex. ali me comunicar as ordens que recebesse do General Ricardos, sobre a acção que se intentava com as nossas tropas contra o inimigo pelas partes de Banhules e Sant Elmo; dirigiu-se V. Exa. a Figueiras no dia 20 , fez expedir o seu Ajudante-General, outros três ajudantes das suas ordens, para prover remédio às tropas que marcharam por outro caminho, de que necessitassem, para no dia seguinte V. Exa. e eu marcharmos, ao Quartel-Mestre-General espanhol, para a referida acção; houve contra ordem, segundo os avisos, que os três generais espanhóis, Cajical, Áries e Vives fizeram, pessoalmente por os franceses terem mudado de posição, e por consequencia era impossível o ataque nesse mesmo dia."

Mandou-me V. Exa. para a Junqueira, para fazer marchar as tropas que ficaram na retaguarda, para irem acampar a Bouto, segundo as ordens que V. Exa. ali recebeu do General Ricardos. Chegou V. Exa. à Junqueira no dia 22, continuei eu a ficar no mesmo sítio por ordem de V. Exa. até fazer recolher o Regimento de Peniche. Logo que passou por aquela vila, me apresentei a V. Exa.no dia 28 em Ceret.

Colecção particular
No dia 5 de Dezembro marchei por ordem de V. Exa. com quatro peças de artilharia pequenas e dois Regimentos. O 2.º do Porto e o 1.º de Olivença para o campo do Tenente-General Courten, onde se uniu comigo o Regimento de Freire, que deveria fazer reserva no dia do ataque das baterias de Vila Longa, tudo debaixo da ordem do Tenente-General Courten, em cuja acção comandei a coluna que atacou as sobreditas baterias. No dia 7 de madrugada acabei a minha comissão naquele mesmo dia, e por não haver mais nada que fazer, e achando-me alguma coisa  molesto recolhi-me ao quartel de Ceret. No dia 9, foi o Marechal-de-Campo, D. João Correia de Sá comandar o regimento de que é chefe, e o de Olivença que ainda ali ficou algum tempo. Seguiram-se os acantonamentos em Val Spire e findou a campanha de 22 de Dezembro.

Distribuíram-se os quartéis de Inverno, mandou-me V. Exa. para Banhos com o Regimento de Olivença, ficando ali também comandando o 2.º do Porto, que se acha em Paralda.

Segundo a ordem dos quartéis, estamos no lugar que nos pertence; a tropa portuguesa, é certo que o serviço que faz é penoso, porque sem embargo de ser utilidade nossa, nunca pertenceu à tropa de linha fazer guardas; é o serviço que em toda a parte do mundo faz a tropa ligeira; as consequências são as que V. Exa. não ignora, que é a multidão de doentes, que entram nos hospitais, e a falta de disciplina, que se lhe devia administrar para entrarem em campanha futura; cuja senão pode por em prática, visto o pesado serviço que se está fazendo; sei que V. Exa. tem requerido providências ao general espanhol, que comanda a linha de quartéis; mas também sei que as não tem dado.




Colecção particular

É certo que os dois Regimentos portugueses que se acham em Ceret destacados, Peniche e 1.º do Porto, nos fazem uma grande falta, para aliviarem o serviço rigoroso, que estão actualmente fazendo os quatro Regimentos: Cascais, Freire, 1.º de Olivença e 2.º do Porto, sem ambargo dos últimos ofícios que V. Exa. recebeu da nossa Corte, cujos me fez ver, e que alguma coisa lhe ampliam mais jurisdição de que as primeiras ordens, que o acompanharam no capítulo que V. Exa. leu na minha presença e na dos meus companheiros, D. Francisco Xavier de Noronha e D. João Corrêa de Sá; em me não atrevo a discernir que V. Exa. tire aqueles dois Regimentos, de Peniche e 1.º do Porto da guarnição de Ceret, sem que o general espanhol dê as providências que tem permitido em virtude das instâncias de V. Exa. para que venha tropa castelhana fazer o serviço que fazem os sobreditos Regimentos

Eu faria uma dissertação em que mostrasse bem claramente a diferença que há no serviço entre tropas auxiliares de linha, e tropas ligeiras; também não me esqueceria de falar na retirada da tropa portuguesa, no caso de ser atacada nos seus quartéis ; porém tocar estes pontos, era supor que V. Exa., os ignorava, quando estou muito bem certo que V. Exa. conhece em perfeição a natureza e delicadeza deles; a experiência me tem mostrado que V. Exa. se não esqueceu de nada que é útil, tanto para o Exército de S. M. Fidelíssima, como em buscar tudo o que é útil também para a conservação da tropa da mesma Senhora"

A este respeito tenho respondido segundo as ordens de V. Exa.

Quartel em Banhos, 7 de Março de 1794

D. António de Noronha"

(1) - Manuscrito de colecção particular

Ilustrações: marr