sexta-feira, 16 de setembro de 2011

O TENENTE-GENERAL BÖHM E AS FORÇAS EXPEDICIONÁRIAS PARA O BRASIL EM 1767

O responsável pela aplicação dos regulamentos do Conde Lippe, referentes aos uniformes, organização, táctica, disciplina, etc., foi o Tenente-General João Henrique Böhm, encarregado do Governo e Comandante de todas as tropas de Infantaria, Cavalaria e Artilharia em qualquer parte do Brasil e Inspector-Geral do Exército.

Este oficial teve uma grande importância no Brasil tendo sido, igualmente, Comandante do Exército do Sul que estava encarregue da missão de reconquistar, o que conseguiu, o Continente do Rio Grande de São Pedro, a Colónia do Sacramento e a Ilha de Santa Catarina que estavam em poder dos espanhóis desde 1763.

Não tendo Portugal acedido à exigência de fechar os seus portos ao comércio inglês, a Espanha e a França coligadas declarara-nos guerra, efectivando a ameaça logo a 30 de Abril de 1762.

A 3 de Julho desse mesmo ano desembarca em Lisboa o Conde Lippe a fim de assumir o comando do exército português. Com ele vieram vários oficiais de diversas nacionalidades; entre outros vinham o Duque de Mecklembourg, o Coronel João Henrique Böhm e o Coronel Diogo Jacques Funck.


Conde Lippe
O oficial Böhm que, como voluntário, acompanhara Lippe a Portugal onde serviu de Ajudante-General na campanha de 1762,  retirou-se para a Alemanha assim que esta terminou.

Entretanto, em 1763, ocorreu a transferência da capital do Estado do Brasil da sua antiga sede, na cidade de Salvador, para o Rio de Janeiro. Haveria de caber a D. António Álvares da Cunha, 1.º Conde da Cunha, 9.º Vice-Rei do Brasil, ser o primeiro a instalar-se no Rio de Janeiro em 15 de Outubro de 1763. Tomou posse a 19 do mesmo mês, encontrando as tropas daquela guarnição num estado calamitoso, a fortaleza de Santa Cruz arruinada e as demais necessitando de urgentes reparações nas muralhas e em quase todas as peças de artilharia. A tropa estava num estado reduzidíssimo, sem forças regulares e composta por homens indisciplinados.

Escrevia o Vice-Rei para Lisboa informando que: "a má qualidade dos soldados provém de serem naturais desta Capitania e da Ilha dos Açores, serem moles, doentes e faltar-lhes valor. Era esta a prova do que tinha acontecido na Praça da Colónia do Sacramento, entregue sem um tiro, pois por tal motivo não recrutarei aqui gente. Para suprir esta falta, necessito da vinda de soldados do Reino, porque sem tropas regulares ou de linha  não poderei cogitar a defesa do Brasil"

O Vice-Rei perante este quadro nada satisfatório, no respeitante, à tropa, solicitou igualmente a ida de oficiais para reorganizarem a guarnição, bem como um reforço de tropas do Reino, para defenderem a nova capital, como também para estarem preparados para as lutas que fatalmente iriam ter lugar no Sul com os espanhóis; em 1764 foram-lhe enviados 50 oficiais portugueses incumbidos da reorganização das tropas ali estacionadas.

O Conde Lippe, que conhecia muito bem Böhm e lhe admirava as qualidades de militar disciplinador e sabedor do seu ofício, utilizou todos os meios ao se alcance para o fazer regressar a Portugal, onde o deixaria como fiel continuador do seu trabalho na reorganização militar. Nesse sentido, em 1764, a instâncias suas, foi o Coronel Böhm, ao tempo governador de Bremen, sua cidade natal, convidado a regressar novamente e vir servir no exército português, convite que lhe foi transmitido pelo próprio Marechal.



Selo do Tenente-General Böhm

D. José I escolhe para chefiar uma missão militar ao Brasil, o então Marechal-de-Campo João Henrique de Böhm, devido às suas grandes capacidades de chefe militar, neste sentido e por força da Carta Régia de 22 de Junho de 1767, promove-o a Tenente-General e nomeia-o "Encarregado do Governo e Comandante de todas as Tropas de Infantaria, Cavalaria e Artilharia em qualquer parte do Brasil onde se encontrassem e da Inspecção Geral delas".

A 26 desse mês, Böhm, escreve para Bückeburg ao Conde Lippe comunicando-lhe que Sua Majestade se dignara nomeá-lo Tenente-General e Governador de todas as tropas existentes no Brasil.

Pouco tempo após a publicação da Carta Régia, Böhm embarca rumo ao Brasil na companhia de outros oficiais, destacando-se o já Brigadeiro Diogo Jacques Funck, Inspector da Artilharia e Fortificações. Böhm ia precedido de diversas recomendações especiais do Conde de Oeiras para o Vice-Rei. Assim, no ofício de 20 de Junho de 1767, definia-se a jurisdição e hierarquia militar: " Sua Majestade manda ultimamente declarar pelo que pertence à jurisdição que V. Exa. deve ter nas tropas dessa Capitania toda a jurisdição; que conserva ainda nas deste Reino o Marechal General Conde Reinante Schamburg Lippe; que o Tenente-General João Henrique de Böhm deve ter toda a jurisdição que teve o General de Infantaria D. João de Lencastre, e que ele mesmo forme e exercite com a Brigada que leva o Regimento de Artilharia".Durante o primeiro semestre de 1767, chegaram ao Rio de Janeiro as forças expedicionárias ou de reforço de Portugal, em virtude da carta do Vice-Rei Conde da Cunha. Esta força era constituída por três Regimentos de Infantaria, a saber: de Moura, Estremoz e Bragança, além de um Trem de Artilharia no seu estado completo; estes eram comandados pelo Brigadeiro António Carlos Furtado de Mendonça e pelos Coronéis José Raimundo Chichorro da Gama Lobo e Francisco de Lima da Silva
Antes de embarcar
Colecção particular
O Regimento de Infantaria de Estremoz chegou ao Brasil com um efectivo de 770 homens, tendo-se  deparado, ao chegarem ao Rio de Janeiro, com uma total falta de quartéis, tendo os soldados ficado aboletados em casas residenciais e, por vezes, eram mantidos pelos respectivos moradores, facto este que causou alguns mal-entendidos aos hospedeiros, principalmente devido aos abusos cometidos por alguns militares. Estes factos foram, mais tarde, solucionados com a edificação de quartéis permanentes junto ao Trem de Artilharia na Ponta do Calabouço no Rio de Janeiro.

Regimento de Infantaria de Estremoz
já no Rio de Janeiro
Colecção particular

Este Regimento embarcou do Rio de Janeiro em direcção ao sul, em 1776, entrando em campanha contra as tropas espanholas, que eram comandadas pelo Coronel Manuel Tejada e que ocupavam um vasto território desde a margem meridional do Rio Grande até ao Rio Pardo, assim como o território da Colónia do Sacramento.


Antes de embarcar
Colecção particular
A primeira unidade a ocupar o quartel na Ponta do Calabouço foi o Regimento de Infantaria de Moura, dando-se o facto curioso de essas instalações passarem a denominarem-se por "Quartel do Moura" e o logradouro público sobre o qual ele se defrontava passou a chamar-se "Largo do Moura", que se situava no Bairro da Misericórdia. O chafariz ali existente, e que fora mandado erigir pelo Vice-Rei Conde de Rezende, passou a ser conhecido, após a instalação do Regimento, pelo nome de "Chafariz do Moura" ou "Chafariz do Largo do Moura". Como a banda de música fazia os seus ensaios numa ruela próxima, esta ficou conhecida como "Beco da Música" e, por sua vez, também houve naquele Bairro da Misericórdia o "Beco dos Tambores", assim denominado porque era nele que os tambores e pifanos realizavam os seus exercícios e ensaios dos toques da Ordenança "ao movimento do bastão do Tambor-Mor". Torna-se extremamente interessante observar-se a grande influência que este Regimento teve na toponímia da cidade do Rio de Janeiro.


Regimento de Infantaria de Moura
já no Rio de Janeiro
Este Unidade teve como comandante o Coronel António Carlos Furtado de Mendonça e no ano de 1764 seguiu para a Campanha do Sul contra os espanhóis, tendo regressado ao Rio de Janeiro em 1778.
Regimento de Infantaria de Moura
já no Rio de Janeiro
Colecção particular

Finalmente, o 1º. Regimento de Infantaria de Bragança ficou instalado num vasto edifício no Beco do Quartéis, o qual, depois em consequência do facto, passou a denominar-se "Beco do Bragança". O comandante desta Unidade era o Coronel Francisco de Lima e Silva.

Antes do embarque
Colecção particular

O fardamento utilizado por estas unidades era o que estava estabelecido pelo Regulamento de Uniformes publicado pelo Alvará de 24 de Março de 1764 (Conde Lippe). Todas as tropas expedicionárias utilizavam o mesmo fardamento utilizado no reino, somente com a seguinte alteração: as polainas passavam a ser mais curtas, estas eram recebidas aquando o embarque ou após o desembarque.



1.º Regiemnto de Infantaria de Bragança
já no Rio de Janeiro
Colecção particular
 
A precaridade da maioria das instalações militares e a inexistência de outras necessárias, conforme já foi referido, ficaram assinaladas em diversos ofícios, nomeadamente o de 17 de Maio e 15 de Julho de 1781, onde o Vice-Rei D. Luís de Vasconcelos e Sousa, 4.º Conde de Figueiró escreveu ao Ministro Martinho de Mello e Castro expressando que : " de longa data se torna imperioso dotar o Real Armazém do Trem de Artilharia de acomodações para recolher em boa ordem todo o material. Não há no Trem mais espaço para levar a efeito a construção de novas instalações. Julgo, igualmente, imprescindivel um grande armazém para guardar pólvora e outro para as madeiras necessárias às obras de artilharia e fortificação. Falta uma casa apropriada ao fabrico e arrecadação dos artifícios de fogo. As fortalezas, apesar de numerosas, ou não estão concluidas, ou então acarretam contínuas reparações". E acrescentava que: "Há falta de quartéis para as tropas, com a acomodação das quais se faz considerável despesa". Concluía dizendo que considerava todas as obras enumeradas como "imprescindíveis" e que por serem de "excessiva despesa", dependeriam de consignações certas e prontas.

Faltavam, em número suficiente, oficiais engenheiros para a realização de obras militares, conforme se pode verificar noutro ofício de 1789, do mesmo Vice-Rei enviado para Portugal. De outro modo não se compreendia que então os denominados "quartéis de Marinha" se apresentassem naquela época num verdadeiro estado de ruína.

O problema da construção de alojamento para as tropas, que era bastante grave, só começou a ser praticamente resolvido em consequência da mudança da Corte para o Brasil, dando-se então início à edificação de um grande quartel de infantaria em 1815.

Texto e ilustrações:marr